20.2.12

ASSUNTO MORTO

Quando alguém importante para os nossos amigos ou conhecidos morre a primeira coisa que pensamos é em como confortar essa pessoa. É a partir dai que surgem na sua cabeça aquelas primitivas frases feitas e tudo mais. Mesmo tendo certeza que o falecido era um completo filho da puta mais errado que sujeito que rouba oferta de igreja, dizemos: “Não se preocupe. Ele ta em um lugar melhor”. Bem, se o falecido morava no interior do Piauí e foi pro inferno. Sim. Ele “ta em um lugar melhor”. Agora, se não é essa a situação, convenhamos que seu comentário foi tão falho quanto é o pinto do meu avô.

Se você só faz cagada na vida, diz foda-se pra todo mundo, tem mais inimigos que palmeirense em arquibancada de corintiano, na boa, não se preocupe com sua reputação. Ela será refeita assim que você morrer. Parece loucura, mas é verdade. Ninguém ouvirá um comentário sequer agredindo sua imagem. Logo, nunca que chegaremos até um familiar do falecido pra dizer: “Vem cá. Ele foi assassinado por dívida de drogas ou num confronto com a polícia?”. Podemos até citar coisas do gênero, mas não dessa forma tão rude. “Olha só que injustiça o que aconteceu. Como alguém que só roubava, matava e usava drogas foi morrer assim? Até agora não to acreditando.”

Não somos sinceros o suficiente para chegar ao caixão do morto e desabafar: “Miserável. Se foi sem pagar meu dinheiro, né! Beleza! Mas você não vai me escapar. Te cobro quando eu for também seu safado”.

Não. Pode ficar tranquilo. Sua ficha fica limpa quando morre. A coisa mais chata que podem chegar a falar é: “Minha nossa. Como ele ficou bonito no caixão. Nunca o tinha visto maquiado antes”. Isso pode acontecer. Para evitar, aconselho que passe a cuidar mais da aparência para se prevenir de futuras observações incomodas. Tal que, você não quer ser zuado por isso pelos mortos que encontrar na outra vida, quer?

Alias, essa área de maquiador de morto é uma a qual não deve existir gay pelo meio. Logo, tem que ser muito macho pra encarar essa profissão.

Isso tudo me fez ter uma dúvida: como é o currículo de maquiador de funerária?

- Tenho experiência com centenas de mortos. Dentre todos esses anos, nunca ninguém saiu do túmulo para reclamar do meu trabalho.

- Já maquiei um morto certa vez que ficou tão bonito que ele arrumou duas namoradas no seu velório.

- Eu maquio Plínio de Arruda. Na verdade ele é moço ainda. Só aparenta ter cara de morto porque sou eu a sua maquiadora. Foi tudo marketing para as eleições. A ideia era de os eleitores olharem para ele e pensarem: “Tadinho, vou votar nele. Vai que morra a qualquer hora e com certeza eu não quero ficar com esse peso na consciência”. Mas acho que não deu muito certo a estratégia…

No velório muitas pessoas dão flores para o falecido. O que acho uma brincadeira muito sem graça. Ou vocês acham que não estou por dentro dessa? Sei que dão flores para o morto apenas para zombar. “Olha só, vamos jogar flores no caixão! Essas flores murcham depois de uns dias… Quem ta dentro dele também! Hehe (6)!”

As carreatas mais barulhentas que tem não são as de político, seleção campeã do mundo ou, a que meus amigos fizeram pra mim quando finalmente tive coragem de da em cima de uma mulher (mês passado). Não, não! E sim: as de morto. Isso mesmo! Sempre acho que todos da carreata estão comemorando a morte do sujeito. “Piiiiiiiiii! Piiiiiii! Finalmente vamos nos livrar dele de vez. Piiiiiiii! Piiiiiii! Sai da frente que quero chegar logo no cemitério. Piiiiiiii! Piiiiiii!”. Esse barulho todo é uma grande falta de respeito… com a sociedade. É capaz de qualquer hora o morto se levantar do caixão e dizer: “Ou, ou! Façam menos barulho, por favor. Se não perceberam tem alguém aqui querendo descansar em paz, pode ser?”

Bom, vou parar de falar sobre isso. Para mim, esse assunto já morreu.

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